O samba-enredo de 2024 do Salgueiro, escola de samba do Rio de Janeiro, promete trazer à Marquês de Sapucaí a história e os desafios do povo indígena Yanomami. Há anos representantes da etnia que se concentra em áreas da região Norte do país sofrem os efeitos de uma crise humanitária causada pela interferência de não indígenas nas terras, em especial em função do garimpo ilegal e da extração de madeira. Isso aumentou os índices de violência, degradação ambiental e proliferação de doenças. Segundo avaliação de entidades ambientais e de atenção aos povos indígenas, a desestruturação de órgãos de fiscalização e o desmonte de políticas públicas nos últimos anos agravou a situação.
Logo no início do mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou uma série de medidas de caráter emergencial para proteger os direitos dos Yanomami, num trabalho articulado entre diversos ministérios, líderes indígenas, organizações não governamentais e outros parceiros para garantir a segurança e o bem-estar da comunidade.
No primeiro ano de ações, foram realizados mais de 21 mil atendimentos médicos por 960 profissionais. Houve crescimento de nove para 28 no número de integrantes do Mais Médicos. Mais de 4,3 milhões de unidades de medicamentos e insumos foram enviados e o Ministério da Saúde garantiu a aplicação de 52 mil doses de vacinas. No lado da segurança alimentar, foram distribuídas 59 mil cestas de alimentos. Na face da segurança, 13 operações da Polícia Federal resultaram em 175 prisões em flagrante e R$ 589 milhões em bens apreendidos, além de 310 operações de fiscalização.
ÊNFASE – Um ano após o início das ações de recuperação e proteção emergencial das terras indígenas, o Governo Federal aprofundou a atuação na região em janeiro e definiu medidas de caráter permanente. A orientação do presidente Lula já foi seguida por visita de comitiva federal liderada pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, à região de Auaris no início de 2024. O investimento federal para a região em 2024 contará com R$ 1,2 bilhão em crédito extraordinário.
“Este ano o Governo Federal assumiu a responsabilidade de cuidar desse povo, de reabilitar a saúde e tirar os invasores e garimpeiros ilegais da região. Esse enredo que traz a situação do povo Yanomami vai ajudar muito a aumentar a visibilidade e o apoio à comunidade”, destacou Guajajara. “A gente vai tratar a questão das terras indígenas de Roraima e dos Yanomami como questão de Estado, vamos utilizar todo o poder que a máquina pública pode ter”, declarou Lula.
RIQUEZA – Em recente postagem nas redes sociais, o ator e defensor de políticas ambientais Leonardo DiCaprio pontuou que a homenagem convida o mundo a se unir e celebrar a riqueza da cultura Yanomami e a sua capacidade de resistência.
“Durante anos, o povo Yanomami sofreu violência brutal de garimpeiros e seus financiadores. A mineração ilegal contaminou suas águas e levou a uma crise humanitária de desnutrição, malária, pneumonia e outras doenças que aumentaram as taxas de mortalidade infantil”, escreveu.
A samba foi escrito em uma parceria dos compositores Marcelo Motta, Pedrinho da Flor, Arlindinho Cruz, Renato Galante, Dudu Nobre, Leonardo Gallo, Ramon Via13 e Ralfe Ribeiro. A previsão é de que o Salgueiro entre na Avenida para sua apresentação na virada do domingo (11/2) para segunda-feira (12/2), a partir das 0h.
Em uma postagem no Instagram, a Escola de Sampa explica que a letra traz uma série de palavras e expressões do povo Yanomami, como Hutukara (a terra-floresta), Omama (Deus da criação para os Yanomami), Xamã (Guerreiros do mundo espiritual), Yakoana (substância extraída das raspas de uma árvore que possui efeito alucinógeno. É utilizada nos rituais xamânicos), Xapiris (espíritos de luz, defensores da terra-floresta), Yoasi (o irmão de Omama. Responsável pela criação da morte e da escuridão).
Um dos trechos da letra indica: “Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom”. O trecho faz uma referência ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista Dom Phillips, assassinados enquanto produziam material em defesa da floresta Amazônica na região do Vale do Javari, em 2022. Segundo os compositores, eles foram citados por terem sido “brancos” que entenderam verdadeiramente os povos indígenas.
Confira a letra completa:
É HUTUKARA! O chão de Omama
O breu e a chama, Deus da criação
Xamã no transe de Yakoana
Evoca Xapiri, a missão…
HUTUKARA, ê! Sonho e insônia
Grita a Amazônia, antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original
Eu aprendi português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem Flecha, da boca pra fora!
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem Flecha, da boca pra fora!
Tirania na bateia, militando por quinhão
E teu povo na plateia, vendo a própria extinção
“Yoasi” que se julga: “família de bem”
Ouça agora a verdade que não lhe convém:
“Yoasi” que se julga: “família de bem”
Ouça agora a verdade que não lhe convém:
Você diz lembrar do povo Yanomami em dezenove de abril
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar “Yanomami” pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito, nem a pau, Brasil!
Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso
Não queremos sua “ordem”, nem o seu “progresso”
Napê, nossa luta é sobreviver!
Napê, não vamos nos render!
YA TEMI XOA! aê, êa!
YA TEMI XOA! aê, êa!
Meu Salgueiro é a flecha
Pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta
É um Brasil cocar!
YA TEMI XOA! aê, êa!
YA TEMI XOA! aê, êa!
Meu Salgueiro é a flecha
Pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta
É um Brasil cocar!
Foto: Lucas Landau/ISA